sexta-feira, 5 de outubro de 2018

Golpe de Estado na Justiça


Assim como quem não quer a coisa, em pézinhos de lã capciosa, aconteceu um golpe de estado em Portugal no sector da Justiça. Os primeiros sinais foram dados quando a ministra ex-MPLA Van Dunen deu uma entrevista onde opinou que a actual procuradora-geral, Joana Marques Vidal, não deveria ser reconduzida no cargo, apesar de a lei permitir um segundo ou terceiro mandato. Os comentários divergiram na sequência das afirmações da titular do ministério justiceiro, mas o tempo foi diluindo os prós e os contras na opinião pública com as palavras dúbias quer do Presidente da República quer do primeiro-ministro. 
Os elogios à actuação da procuradora-geral eram unânimes e provenientes de todos os quadrantes. Políticos e não só. De repente, como se não houvesse amanhã, surgiu a notícia da decisão de substituir Joana Marques Vidal pela sua adjunta Lucília Gago. A "bomba" apanhou quase todos de surpresa. Astuciosos como raposas nas fábulas com o desgraçado do lobo, Marcelo Rebelo de Sousa veio logo a terreiro relembrar aos tansos, distraídos e mansos portugueses que desde há 20 anos defendia que o cargo de procurador-geral deveria ser exercido apenas durante um só mandato. Mas alguém se lembrava desse dogma político do comentador investido de presidente? Ninguém, excepto o manhoso primeiro-ministro António Costa que fez eco afinado como uma "boys band" com o PR. 
Significa isto, surpreendentemente ou talvez não, que a competência, a eficácia, o labor e os resultados positivos são premiados com o afastamento do cargo tão elogiado.  
Alguém respirou de alívio com este saneamento. Quem? Nada mais nada menos que os envolvidos, alguns já acusados e outros condenados, da Operação Marquês, onde estrebucham alguns amigalhaços de Marcelo Rebelo de Sousa e de António Costa. Os suspiros de alívio desta gente quase causou uma ventania idêntica à do famoso furacão Katrina. Venha a Lucília Gago e que faça jus ao nome, segundo desejam alguns "desesperados"...

O segundo capítulo deste golpe de estado na justiça provou à saciedade como este povo anda anestesiado, adormecido, entorpecido, basbaque a ver passar os turistas. Mais uma vez a Operação Marquês no epicentro. Um computador instalado numa sala exígua e com uma dezenas de jornalistas armados de canetas Bic e papel, máquinas fotográficas e câmaras de filmar testemunharam um sorteio informático para encontrar o juiz que iria tutelar a instrução do processo e decidir se vai ou quem vai ou não a julgamento ou ainda se tudo se arruma na prateleira do arquivamento. No interior da máquina computorizada dois nomes para serem rifados: Carlos Alexandre e Ivo Rosa. 
Carlos Alexandre tinha sido o responsável pelo megaprocesso e conhecia todos os pormenores inerentes ao caso, contidos numa descomunal pilha de volumes. Ivo Rosa desconhecia praticamente todo o conteúdo que teria, tem, de analisar num prazo de quatro meses. Mais uma vez os protagonistas pela negativa, arguidos, suspeitos, acusados ou já condenados não escondiam, como uma claque organizada, a sua preferência por Ivo Rosa e esconjuravam Carlos Alexandre. 
O computador "andou à roda", como a lotaria da Santa Casa, e...pifou. Nova corrida, nova viagem, como na antiga Feira Popular e novo resultado nulo. À terceira foi de vez e dita claque organizada da Operação Marquês rejubilou: Ivo Rosa saiu na rifa da maquineta certamente feita na China. 
É curioso como ninguém demonstrou a mínima curiosidade em saber quais os motivos porque o programa informático só tinha respondido positivamente ao nome daquele magistrado. Ao primeiro falhanço não teria sido mais credível fazer o sorteio com dois papelinhos? Não, definitivamente o povo adormeceu profundamente à sombra daquela azinheira que já não sabia a idade...
O surrealismo de tudo isto ainda assume contornos mais sombrios quando a primeira declaração do juiz vencedor da lotaria justiceira foi no sentido de se sentir incapaz de cumprir os prazos estabelecidos pela lei porque tem outros processos em mãos e precisa de (muito) mais tempo para conhecer os conteúdos dos milhares de calhamaços da Operação Marquês, algo que o seu colega vencido Carlos Alexandre sabe de cor e salteado. 
Para compor este ramalhete que mais se assemelha a uma coroa funerária da justiça, Ivo Rosa foi corrido pelo governo de Timor-Leste, onde se encontrava em missão de ensinar (?) aos timorenses como aplicar a lei, e Lucília Gago, a nova procuradora, incompatibilizou-se com Joana Marques Vidal, a procuradora de saída, devido ao processos disciplinar instaurado à juíza Cândida Vilar por razões relacionadas com a investigação à morte dos instruendos dos Comandos. 
Confusos? Acredito que os mais sagazes já tenham extraído as suas conclusões. 

Terceiro capítulo. E veio o caso do furto de material de guerra dos paióis de Tancos. Aqui é o caos total. Um escândalo internacional e a credibilidade do país junto dos aliados da NATO afundada na lama. O Presidente da República, comandante supremo das Forças Armadas por inerência do cargo, declama umas frases vazias de conteúdo, e não só lava as mãos como Pilatos como enverga umas bermudas e banha-se dos pés à cabeça neste caso, incapaz de tomar as decisões que se impõem e exigem "doa a quem doer", como ele gosta de frisar mas sem actuar...

O governo de António Costa, nomeadamente o seu ministro da Defesa, já demonstrou por A+B+C e todo o alfabeto romano que é incapaz de assegurar o bem mais precioso da nação, que é a "segurança nacional". E ninguém se livra de responsabilidades políticas. Enquanto prossegue o lamentável cenário de uma total incapacidade de lidar com tão delicada situação, emerge ainda uma guerra aberta entre investigadores, da qual, até ao momento, resultou na detenção dos agentes  da Polícia Judiciária Militar e da GNR que recuperaram por meios mais ou menos ortodoxos o material furtado, enquanto os autores do crime andam por aí sabe-se lá a engendrar outro golpe que coloque em perigo a estabilidade do país. 
A Polícia Judiciária civil e muitos figurantes políticos ainda ressabiados com o 25 de Novembro de 1975 estão mortinhos para extinguir a Polícia Judiciária Militar que, como determina a lei, investiga "crimes de foro militar" e, assim sendo, o roubo de Tancos estava sob a sua alçada. No entanto, valores mais altos, e muito altos mesmo, se levantaram e o Ministério Público decidiu incluir a PJ civil nas investigações, com os resultados que se conhecem: investigadores militares presos e assaltantes livres como passarinhos. Um caso de estudo internacional.

E passarinhos são os portugueses que assistem impávidos, serenos e conformados ao golpe de estado em curso na justiça. Aguardemos pelos próximos capítulos...




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