"Queremos o socialismo, sim, mas não o da Suécia, da Noruega ou da Holanda, o socialismo que queremos é da República Democrática Alemã, da Polónia,da Bulgária, da Roménia ...", podia ler-se no Boletim Oficial do Movimento das Forças Armadas, da autoria da V Divisão do Estado-Maior da tropa, durante o Verão Quente de 1975.
Chegado a este ponto sem retorno, os oficiais "moderados" foram obrigados a organizar-se e a estabelecer um plano de acção para retirar o poder à extrema-esquerda comunista, cujo braço armado era o tristemente célebre COPCON do brigadeiro Otelo Saraiva de Carvalho e os SUV (Soldados Unidos Vencerão), uns grupelhos de soldados mascarados de bolcheviques e com juramentos de bandeira de punho direito erguido e loas ao "socialismo".
Eu, pela minha parte, já andava pelos cabelos com aqueles revolucionários de meia-tigela e a asfixia democrática vermelha que afectava como uma praga Portugal de Rio Maior para sul. Não foram raras as vezes em que fui buscar soldados meus detidos pela cobarde e pérfida Polícia Militar ao Regimento de Lanceiros 2, na Calçada da Ajuda, e na maioria do casos trouxe-os de volta à nosso unidade desfigurados pelas agressões bárbaras que eram cometidas, não só aí mas também no RAL 1 (Lisboa), no primeiro caso por ordem dos tiranetes major Tomé e major Campos de Andrada e no segundo caso o coronel Leal de Almeida. Quantas vezes apertei com força a coronha da minha Walther P-38, a pistola de serviço de escolta que usava nesses momentos, com a raiva de não a poder usar mesmo ali naquele ninho de víboras militares-social-comunistas e vingar os meus soldados maltratados.
Em Setembro, o general Vasco Gonçalves deixou de fazer a triste figura de primeiro-ministro e foi substituído pelo almirante Pinheiro de Azevedo. A situação político-militar, apesar da mudança, degradava-se de semana a semana. Até que chegou a altura de cada facção contar as armas e partir-se para a acção. A rotura era total e a guerra civil era uma perspectiva a levar em conta.
No Depósito de Material de Guerra, em Moscavide, um tal capitão Saraiva surripiou uns milhares de G-3 e algumas foram distribuídas por vários bandos entre os quais a Intersindical. O PCP controlava os Fuzileiros e Álvaro Cunhal incendiava os ânimos comunistas com tiradas eloquentes. Otelo incentivava o COPCON, onde, entre os muros, se cometiam crimes ao nível dos praticados pela PIDE antes do 25 de Abril.
Na hora H, atribuiram-me uma missáo: inutilizar o canhão 88 postado no viaduto sobre a minúscula auto-estrada Lisboa-Vila Franca de Xira. Antes de chegarmos ao objectivo pela calada da noite recebo uma mensagem que afinal o RALIS se rendia às forças do tenente-coronel Ramalho Eanes. Passara-lhes por completo o ardor revolucionário. No emaranhado de reuniões e comunicações entre unidades, partidos políticos e o Presidente da República, general Costa Gomes, as movimentações acontecem em cadeia. Mário Soares e uns quantos socialistas fogem para o Porto, Álvaro Cunhal sai de cena e o brigadeiro Otelo refugia-se em casa...
Duas companhias de pára-quedistas chegadas do Ultramar recusam-se a alinhar com os companheiros que tomaram as bases e passam imediatamente â disponibilidade. Os Comandos do coronel Jaime Neves assaltam os "páras" rebeldes, na esmagadora maioria praças, alguns sargentos e apenas um oficial, que estavam entricheirados no GDACI, em Monsanto. Também eles perderam o fervor revolucionário e não deram luta. Na manhá do dia 26 é o assalto dos Comandos ao famigerado antro de cobardes da Polícia Militar. O tenente Coimbra e o furriel Pires são vítimas mortais, nas nossas forças, do fogo traiçoeiro pelas costas oriundo das casernas deCavalaria 7, situadas no lado esquerdo da Calçada da Ajuda. Na parada de Lanceiros 2 tomba um militar e uma Chaimite arromba o portão.
O coronel Jaime Neves eleva a sua autoridade ao máximo e consegue evitar que a vingança pela morte dos dois graduados "comandos" seja levada a cabo. A dicotomia revolucionários-moderados acabava ali e a democracia ocidental estava salva das garras do totalitarismo social-comunista. Lisboa, Setúbal e Barreiro eram sobrevoados por aviões F-86F que assinalavam o ponto final no marxismo.
Ainda hoje se discute acaloradamente o que aconteceria se o COPCON e os Fuzileiros e as restantes unidades simpatizantes do socialismo do Leste europeu não tivessem recolhido às casernas. Que haveria uma guerra civil generalizada não duvido. Porém também não seria difícil prever o desfecho. O "nosso" lado estava dispunha de forças muito mais poderosas: Escola Prática de Cavalaria, Escola Prática de Infantaria, Escola Prática de Artilharia, Regimento de Comandos, Regimento de Cavalaria de Estremoz, Regimento de Cavalaria de Braga, Regimento de Cavalaria de Santa Margarida, Força Aérea, etc.
Já lá vão 42 anos e desde então as armas calaram-se. Sõ as usei depois para instrução ou serviço. Saudades? Tenho. Dos meus vinte e poucos anos de então. Só!